Não gosto de cozinhar. Minto, odeio cozinhar. Essa é a verdade. Se este facto, se esta sinceridade posta em cima da mesa, me converte em mau dono de casa, mau «homo domesticus», essa será outra verdade, exactamente como tantas outras para as quais me estou a marimbar (não utilizo um sinónimo de defecar porque ultimamente me preocupo em evitar dizer/escrever tantos palavrões).
«Não gostas de cozinhar, mas gostas de comer» é o argumento mais atirado à cara dos inúteis gastronómicos como eu. Outra verdade daquelas. Gosto de comer e, geralmente, como bem em qualquer lado. Facilmente o meu paladar é contentado e não sou de grandes aventuras nem de curiosidade de sabores, mas presto atenção às recomendações de confiança.
No entanto, para mim, o acto de comer é pura necessidade calórica, sendo o prazer auferido neste gesto uma coisa totalmente secundária. Se a minha mente está com outra coisa de maior importância e estímulo, o corpo esquece-se de se sentar à mesa, de ingerir carne, peixe, fruta ou legumes. Acontece com frequência e só não acontece mais porque tenho de alimentar, a tempo e horas, os meus descendentes.
Também tenho sorte de ter ao lado alguém que gosta e sabe cozinhar. Se não tivesse esse privilégio, acredito que de fome não morreria, porém teria uma monotonia de refeições pior que a mais previsivel das telenovelas e com lugares comuns de casas com comida para fora e congeladores precavidos, preparados para qualquer prato desenrascado.
Cozinhar com prazer é um acto de generosidade. Generosidade para os outros ou, em solidão, para o próprio. Comer com prazer é puro sensualismo. Para mim, ambos gestos necessitam do outro, duma companhia.
Eu como por necessidade, não cozinho porque posso dar-me a esse luxo, mas, mesmo de bandulho cheio, sempre me lembro das palavras da minha mãe, quando era um puto lingrinhas e falso anémico, que para sempre me fazem sentir vergonha de cair em gulas desnecessárias. «Olha que há meninos que não têm nada para comer» tornou-se um mantra herdado, materno, e ecoa, ecoa em várias refeições que nunca agradeci a nenhuma entidade divina, mas reconheço alguma nobreza a esse «say grace» dos filmes americanos. Gratidão pelo que se tem à mesa, pelo que nos mantém de pé, pelo que a maioria não cultiva, é uma tendência atribuida a beatos, a puritanos calvinistas, a tradições de «thanksgiving», que, à maioria dos confortavelmente alimentados, é algo quase indiferente.
Hoje, antes de ingerir a minha próxima refeição, vou agradecer. A quem? A lista é longa e não se esgota em instituições divinas.
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