Já há muito tempo, anos mesmo, que me sinto mal com a situação, mas agora sinto-me quase como um criminoso amoral. Não há duche possível de lavar-me a consciência dos litros de água cano abaixo e sem a mais mínima reutilização na, por exemplo, limpeza da sanita. É um crime os litros de água potável gastados nas incontáveis vezes que uma família vai por dia à casa de banho. É um luxo pornográfico, ofensivo às gretas dos campos secos, aos quilómetros que muitos semelhantes meus fazem para matar a sua sede, feita corda na garganta, e dos seus. Litros de estupidez doméstica vertida pelo esgoto e não de sensatez necessária para regar o futuro.
Sei, desde muito pequeno, o que é a falta de água. Nasci alentejano e vi secas fazerem procissões saírem à rua pedindo água aos céus. Vi o São Pedro estar-se nas tintas para a secura do montado e vejo que assim continua. Pelo menos é honesto, nunca escondeu a sua tacanhez hídrica a ninguém. O mesmo não se passa com o sector agrícola, à mama de subsídios de regadio ou transvases polémicos, em zonas bem mais propícias ao habitat de camelos e dromedários.
Estamos em seca extrema. O solo duro já nem consegue gemer por água. Cala-se compactado. Evade-se em poeira. Os oásis estão a acabar por aqui graças à presença do homem e à sua irresponsabilidade. Resta-lhe um deserto. Porém, por mais amor que tenha à terra seca e gretada da minha alma, eu não quero cá estar. Como eu, muitos dos que agora não querem conviver com refugiados de África ou do Médio Oriente também quererão dar de frosques se continuar a secura. Não, não é mentira. Não, não é invenção minha. Todos seremos todos refugiados climáticos.
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