quarta-feira, abril 19, 2017

Do tom proverbial ao maternal...

Desde que me proponho fazer um diário, com notas de enorme utilidade para a inutilidade da minha escrita, nem sempre é ao final do dia que o redijo. É quando posso e tenho acesso ao teclado tranquilo do smartphone ou do comutador. Hoje é à noite, com os miúdos recém-deitados e com um livro lido para preparar-lhes a entrada no vale de lençóis. Tem havido de tudo: contos tradicionais, aventuras, rimas, poemas, bandas desenhadas, super-heróis, clássicos de Grimm... 

O retorno à calma hoje foi feito com um livro oferecido pela sua avó, a minha mãe. É um livro ilustrado de provérbios por ordem alfabética e, apesar de não entenderem o seu conteúdo moralizante, houve interesse prosódico nas rimas e o efeito estribilho que os provérbios têm.

Sem sequer ter nisto pensado, o pensamento deste momento leva-me à minha mãe. Existirá um provérbio qualquer que explique porque é que nos centramos, em adultos, nós homens, na figura e personalidade do pai e quase nos esquecemos das mães?

Reconheço o peso que o meu pai teve e tem em mim, como decido ser tão diferente dele porque tenho medo de ser como ele e como decido ser como ele e acabo por ter coragem de ser autêntico. É confuso. Ambos somos confusos. Ele é dono duma complexidade que contrasta com a minha, choca, felizmente cada vez menos. A minha mãe não. A minha mãe, aquela por quem gritaria em qualquer aflição, embalar-me-á no seu líquido amniótico para sempre. Não há desculpas, nem perdões. Dizem: «mãe é mãe». A minha é muito crente, talvez carente de alguma lucidez na sua personalidade. Preocupa-se por agradar. Fá-lo com a boa intenção de samaritana e não lho posso recriminar. Agradar a gregos e a troianos não é para todos e, apesar de me custar ver como, por vezes, se anula perante os outros, cada vez mais, assim é a minha mãe e fora a sua, a minha avó. E eu, com a obsessão de ser homem, pai, filho com a necessidade de aprovação daquele que foi meu progenitor, esqueço-me que foi ela, a minha mãe, quem sempre me moldou livre a ser quem sou. Talvez o verdadeiro amor de mãe seja isso, uma coisa incompreensível que não se edifica em património e vem-se diluindo desde o ventre.

Ao ser pai, apercebo-me que sou mais como a minha mãe. Esta é uma das formas de agradecer-lhe. Ela sabe-o em cada abraço que lhe dou e darei. Abraços finitos e sabedores disso. Este tempo já não me aconchega os lençóis, encontro-me ao relento da imperfeição de ser adulto, porém sei se por aí me cruzar com a morte será sempre pela minha mãe que chamarei.


E ao princípio só tinha pensado no provérbio...

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