A primeira vez que demos uma aula juntos, ele tinha 11 meses. Eu a explicar verbos irregulares, tempos e modos, e ele a quebrar a regra do meu profissionalismo e a saltar-me para o colo. Foi em Monfortinho, num curso daqueles que temos a esperança de voltar a repetir.
Cinco anos depois, fui com ele ler o conto do “Charlie e a Fábrica de Chocolate” ao seu colegas de turma na biblioteca da sua escola. O convite foi do Ismael, o seu professor, e nós fizemos uma tradução da sua versão para português. Lado a lado, sentados no chão, falámos do nosso segredo, das nossas duas vozes, uma que é capaz de dizer “hola” e outra, enraizada, que diz “olá”.
Enquanto eu lia as aventuras dos bilhetes dourados do Charlie e companhia, ele mostrava as imagens do seu livro “popup”. Os seus olhos brilhavam de orgulho. Eu estava presente.
Acabei a leitura e ele distribuiu aos colegas a nossa primeira tradução a duas mãos.
Despedi-me de todos e dele com um recordatório:
- Daqui a pouco o papá vem cá te buscar.
Voltou em fila para a sua sala de aula. Despedi-me do Ismael e falámos um pouco do que para nós é profissionalismo e vocação, como andam de mãos dadas.
Desci as escadas da escola primária e só uma voz falou dentro de mim. Aquela onde sempre regresso e que não teve pais na escola porque eram outros tempos.
Já na esquina da vedação da escola, parei e senti como os meus olhos se humedeciam. O meu filho esteve feliz e orgulhoso de ter o pai em frente de todos os seus colegas. Dias chegarão em que terá vergonha de mim, de certeza. Pode ser que ele se recorde do Charlie e da sua família… e volte rapidamente para casa para contar-nos que nós somos o seu “bilhete dourado”.
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