Têm sido vários quilómetros nos últimos dias. Trabalho principalmente. Hoje foram quilómetros para a família, para casa dos meus pais, para Évora, onde fazemos questão de celebrar o nascimento dos nossos filhos pacenses.
O almoço juntos ao som do Zeca, o café e o bolo com os primos e madrinhas, o estarmos juntos a celebrar a vida do meu filho mais novo (com dois anos cheios de alergia e ranho) e a, quem sabe, criar as memórias de uma infância vista desde o futuro.
Fui também, sozinho, ver o meu avô. Reconheceu-me e reconheceu-se a morrer. Perguntou-me pelo meu pai e pela minha mãe e eu respondi-lhe o que a minha memória sentida me ditou: «estão em casa a cuidar dos netos, a cuidar dos meus filhos, como tu cuidaste de mim».
O oxigénio saído da máquina para as suas narinas ajudavam-no a respirar mas os brônquios ouviam-se na respiração desanimada. Só fui capaz de encostar a minha testa à dele, respirar com ele e mergulhar a tristeza do ver assim na memória de tudo o que foi (e é) para mim. Tanto sofrimento físico não é uma recompensa para o bem que nos fez. Não questiono designios mas também não os aceito como divinos. Ele não merece que se sofra, mesmo que seja vontade dum Ele.
Saí pouco tempo depois. Todos os dias ele definha ali, bem assistido, cuidado, mas a morrer e a sofrer há seis anos. Recuso que o meu avô João morra desta maneira em mim. Herdei o seu apelido e a vida impôs-mo como primeiro. Leal ao seu gosto por caminhar ao ar livre ou pela cidade, tal qual um belo pardal, de árvore em árvore, telhado em telhado, dirigi-me para o Largo da Sé onde se celebrava uma simpática Feira do Livro. Bem escondido, lá estava o meu «33» no stand da autarquia. Fiquei feliz só do ver, orgulhoso da paternidade e tímido pelo passado que sinto caducado. Lembrei-me que me disseram existir um conceituado, mas já finado, poeta do Porto que quando encontrava um livro seu numa livraria puxava-o para o protagonismos da primeira fila. Não creio ser capaz e, ao lado do poeta em questão, não tenho a mais mínima comparação. Tomara eu que o que verto em palavras se assemelhe ao caudal do que foi a sua obra.
Mas a memória deste dia do livro em forma de filho, acabou com dois dedos de conversa com o Jorge Serafim, verdadeiro contador de histórias, alentejano de gema, não um alentejano caramelizado como eu, que me dedicou o seu «O Afinador de Memórias» para os meus filhos. O dia acabou com ele e afinou-nos a memória.
Sem comentários:
Enviar um comentário